quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Texto – A queda do Estado Novo

A QUEDA DO ESTADO NOVO

I. Reflexos políticos da Segunda Guerra
A partir de 1942, quando a posição do Brasil se definiu claramente a favor das potencias liberais, o engajamento no grande conflito não pôde deixar de repercutir na conjuntura política interna. Como resolver a contradição de um Estado inspirado no fascismo italiano que se empenhara na luta antifascista, em defesa dos ideais antiautorirários?

II. A crise interna
É claro que as repercussões da Segunda Guerra, por si sós, não explicam a transformação política no Brasil. Na verdade, elas se entrelaçam à crise política interna, formando uma complexa rede de contradições que resultou na criação de conjunturas favoráveis ao desmantelamento do Estado Novo.

Em 1943, esgotou-se o limite que o Estado Novo impusera para a legitimação, por meio de um plebiscito, da Constituição outorgada em 1937. Nessa conjuntura surgiu o Manifesto dos Mineiros (outubro de 1943), assinado por Virgilio de Melo Franco, Afonso Arinos, Milton Campos, Magalhães Pinto, Adauto Lucio Cardoso, Odilon Braga, Pedro Aleixo e Bilac Pinto, futuros lideres da União Democrática Nacional (UDN). O citado documento, reconhecendo "que o Brasil esta em fase de progresso material e tem sabido mobilizar muitas das suas riquezas naturais, aproveitando inteligentemente as realizações do passado e as eventualidades favoráveis do presente", criticava a "ilusória tranqüilidade e a paz superficial que se obtém pelo banimento das atividades cívicas que podem parecer propicias aos negócios e ao comércio, ao ganho e à própria prosperidade, mas nunca benéficas ao revigoramento dos povos". Em síntese, o Manifesto exigia a participação política dos agentes do progresso econômico, isto e, um desenvolvimento político correspondente e compatível com a prosperidade material.

III. A vitória dos aliados.
A crise interna acompanhou o progressivo avanço dos Aliados na Segunda Guerra. E, aliás, a coincidência desse avanço com as etapas de redemocratização no Brasil não é simples fruto do acaso.

O próprio Vargas, sentindo o comprometimento de seu poder, assumiu, ambiguamente, uma posição mais flexível. No seu discurso de novembro de 1943 declarou: "Quando terminar a guerra, em ambiente próprio de paz e ordem, com as garantias máximas à liberdade de opinião, reajustaremos a estrutura política da nação, faremos de forma ampla e segura as necessárias consultas ao povo brasileiro".

Apesar dessa declaração, as forcas de oposição que estavam emergindo não acolheram com entusiasmo a promessa de Vargas. Em 1945, quando a guerra acabou, essas forcas se manifestaram, levando o Estado Novo à inelutável desagregação.

IV - As agitações
As agitações pela redemocratização iniciaram-se com o I Congresso Brasileiro de Escritores, em janeiro de 1945, que se manifestou favoravelmente ao restabelecimento da democracia. As declarações de Jose Américo de Almeida, no Jornal "Correio da Manha", tiveram um grande impacto. O historiador Francisco Weffort assim vê o momento: "Da parte do governo ha o ato adicional prometendo a realização das eleições para o dia 2 de dezembro. Quase ao mesmo tempo rompe-se o dique da censura à imprensa. Logo depois, aparece a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, articulada pela oposição liberal, que, por sua vez, passa a constituir-se em partido: União Democrática Nacional (UDN). E em marco surge a candidatura do general Eurico Gaspar Dutra, que fora ministro da guerra durante o Estado Novo. À sua volta articularam-se as forcas governistas, que logo dariam origem ao Partido Social Democrático (PSD); a segunda agrupação governista deveria surgir depois e para aderir igualmente à candidatura de Dutra".

A descompressão da vida política promoveu a formação de agremiações partidárias que exprimiam os anseios ate então represados. Para o historiador Lourdes Sola, o "Partido Social Democrático, que tinha Dutra por candidato, era integrado pelas oligarquias rurais, por industriais e banqueiros habituados a negociações com o governo central". Todavia, esse partido não possuía unidade ideológica, embora, controlasse uma poderosa maquina eleitoral.

Sobre os outros partidos que surgiram com a abertura democrática no final do Estado Novo (PTB, UDN, PCB, PSB) veja o texto: "A Era Vargas (1930-1945)".

V - A Anistia
Diante das pressões crescentes da opinião publica, Getúlio decretou anistia aos presos políticos, inclusive ao líder comunista Luis Carlos Prestes, que estava preso desde 1936, com o fracasso da Intentona Comunista de 1935. Depois de nove anos na prisão do Estado Novo, Prestes voltou a atuar, organizando no dia 23 de maio de 1945 uma gigantesca manifestação popular no Rio de Janeiro. Curiosamente, nessa manifestação, o Partido Comunista do Brasil (PCB), legalizado desde maio, expressou seu apoio ao governo de Getúlio. Apesar de estranha, tal atitude do PCB estava de acordo com sua linha política, baseada no antiimperialismo e na aliança com as forças progressistas nacionais. Alem disso, o apoio a Getúlio expressava também a presença da diretriz, fixada pela União Soviética, de formação de uma frente popular nos países que lutaram contra o Eixo.

VI - O Queremismo
No segundo semestre de 1945, a tônica das movimentações políticas mudou a ênfase. Ate o primeiro semestre do mesmo ano, a campanha eleitoral absorvera as energias políticas. A partir do semestre seguinte, a tônica recaiu sobre a questão da Constituinte, que deveria reunir-se somente depois da eleição presidencial, marcada para 2 de dezembro daquele ano. Foi quando se expandiu a pregação do "queremismo" ("Queremos Getúlio"), orientada pelos trabalhistas e apoiada pelos comunistas. Vargas, discretamente, alimentou esses movimentos populares urbanos, propondo a "Lei Malaia" (junho de 1945), como ficou conhecida a lei antitruste, que tinha um caráter nitidamente nacionalista e antiimperialista.

VII - A queda de Vargas
O
q
ueremismo representou, portanto, o respaldo - ainda que indefinido - do que Getúlio necessitava para continuar no poder. E isso despertou na UDN uma desconfiança extrema a qualquer ação de Getúlio. A situação se tornou mais clara a partir de agosto de 1945, quando a manobra continuista se evidenciou com a evolução do Queremismo para o grito de "Constituinte com Getúlio". Isso veio inquietar a oposição udenista, pois a Constituinte antes das eleições presidenciais significaria a preservação do poder nas mãos de Vargas pelo menos até o momento em que estivesse estabelecida uma nova ordem institucional, assegurando-se a possibilidade de uma influencia decisiva sobre a sua elaboração. No início do mês de outubro, o Partido Comunista estava inteiramente disposto a apoiar Vargas. Mas é precisamente nesse momento, em que as forças getulistas e seus aliados estão no máximo de sua capacidade de ação, que se desencadeia o Golpe de Estado". Um grande comício pro-getulista, marcado para o dia 27, foi proibido pelo chefe de polícia do Distrito Federal. Getúlio reagiu substituindo-o pelo seu irmão, Benjamim Vargas. Contudo, a derradeira manobra encontrou forte resistência em Góes Monteiro. Dois dias depois, em 29 de outubro de 1945, Getúlio foi obrigado a abandonar o poder, transmitindo-o ao Judiciário. Terminou, ai, o Estado Novo.

"Olhai para mim, e sereis salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há outro" (Is 45:22a)