sábado, 15 de novembro de 2008

A República Democrática – 1945-1964

A REPÚBLICA DEMOCRÁTICA

I. Introdução

A deposição de Getúlio Vargas, em finais de 1945, acha-se intimamente relacionada à derrota dos regimes nazi-fascistas na Europa pelas forças aliadas. Ao final da Segunda Guerra, os Estados Unidos assumiram a posição de maior potência do mundo capitalista. A União Soviética, por sua vez, tendo consolidado o regime socialista, conseguiu ampliar sua esfera de influência sobre o Leste europeu, transformando os países da Europa oriental em países socialistas, sob o comando do Partido Comunista.

Assim, encerrado o conflito, o mundo dividiu-se em dois blocos: o capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o socialista, sob a hegemonia da antiga União Soviética.

A rivalidade entre os dois blocos levou a uma corrida armamentista pela conquista da hegemonia mundial. A confrontação indireta, sem uma guerra total entre eles, denominou-se Guerra Fria.

O processo de redemocratização do Brasil efetivou-se tendo como pano de fundo essa conjuntura internacional. No período compreendido entre 1946 e 1964, verificou-se, internamente, o confronto político entre os nacionalistas e os grupos favoráveis à abertura da economia nacional ao capital estrangeiro. Impôs-se o alinhamento e a dependência brasileira ao bloco liderado pelos Estados Unidos.

A aceleração do capitalismo brasileiro, integrando-se à ordem econômica encabeçada pelos Estados Unidos, foi acompanhada, também, por intensos e freqüentes movimentos sociais, bem como pela modernização dos meios de comunicação - o rádio, o mais popular entre eles, ganhou importância nacional e foi largamente usado para a propaganda política. A televisão, inaugurada em 1950 (TV Tupi de São Paulo), passou a destacar-se e, na década de 60, disputava com o rádio a liderança popular entre os meios de comunicação de massa. Em 1965, um ano após o fim da República democrática, iniciavam-se as transmissões internacionais via satélite.

Durante a Guerra Fria, houve uma crescente corrida armamentista que colocou o mundo a um passo de uma guerra nuclear generalizada.


II. O governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951)

Vitorioso nas eleições de dezembro de 1945, Dutra, já no início de seu mandato, deu posse à Assembléia Nacional Constituinte, encarregada de elaborar uma nova Constituição para o Brasil.

A Constituição promulgada em 1946 restaurava a democracia, com o poder voltando a ser exercido pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Restabelecia também a autonomia dos estados e municípios, acabando com o centralismo político que havia caracterizado a ditadura do Estado Novo.

O presidente Dutra procurou inverter a política econômica nacionalista adotada pelo ex-presidente Vargas, permitindo a penetração, na economia nacional, do capital estrangeiro, especialmente norte-americano.

O Estado, na concepção do novo governo, não deveria intervir constantemente nos diversos setores econômicos do país, restringindo-se apenas às áreas fundamentais, como saúde, alimentação, transporte e energia, daí a elaboração do Plano Salte (nome formado pelas iniciais daquelas áreas de atuação: saúde, alimentação, transporte e energia). Entre outras coisas, o Plano propiciou a pavimentação da rodovia Rio de Janeiro-São Paulo (via Dutra), a abertura da rodovia Rio de Janeiro-Bahia e a instalação da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF).

Na política externa, Dutra estreitou os laços entre Brasil e Estados Unidos, alinhando-se contra a União Soviética. Em 1947, rompeu relações diplomáticas com esta nação, além de decretar a ilegalidade do Partido Comunista do Brasil (PCB), cassando mandatos de seus deputados, senadores e vereadores, eleitos em 1945.

O mandato do general Dutra encerrou-se em 1951, sendo substituído na presidência da República por seu antecessor, Getúlio Vargas, que vencera as eleições realizadas em 1950, como candidato do PTB. Seu principal adversário foi o candidato da UDN, o brigadeiro Eduardo Gomes.

Assim, o “pai dos pobres”, como Getúlio era conhecido, reassumiu a presidência do Brasil pela ia democrática. Para isso foi decisiva sua atuação junto às massas populares e aos mais carentes, num estilo chamado populismo.

Os governos populistas caracterizam-se por aliciar as massas populares a participar do processo político. Essa participação - em geral muito alardeada - na verdade é submetida à direção governamental, e as reivindicações populares nem sempre são totalmente atendidas. O governante conta, no entanto, com o apoio do povo. No Brasil, o populismo de Getúlio Vargas serviu para conter as crescentes rivalidades entre as classes, atraindo tanto as massas populares como a burguesia industrial para a ação do Estado no desenvolvimento de um capitalismo nacional. Getúlio Vargas puxava o povo para o movimento político, apresentando-se como o tutor que promovia as aspirações populares.

Conduzindo e manipulando as ambições nacionais, o populismo substituiu a ordem oligárquica da República Velha, sem dar aos trabalhadores a autonomia política. A prática populista ganhou diversos seguidores na história política brasileira.


III. A presidência de Getúlio Vargas (1951-1954)

Com Getúlio à frente da política nacional, a ideologia nacionalista, intervencionista e paternalista ganhou novo impulso. O presidente procurou restringir as importações, limitar os investimentos estrangeiros no país, bem como impedir a remessa de lucros de empresas estrangeiras aqui instaladas para seus países de origem. Em 1952, criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), a fim de incentivar a indústria nacional.

Preocupado ainda com o desenvolvimento industrial do país, tão carente de infra-estrutura energética, aprovou, em 1953, a Lei nº 2 004, que criava a Petrobrás, empresa estatal que detinha o monopólio de exploração e refino do petróleo no Brasil. A criação dessa empresa resultou da mobilização popular com base numa campanha denominada “O petróleo é nosso!

No plano trabalhista, Getúlio procurou compensar os assalariados, grandemente afetados pelo processo inflacionário, dobrando o valor do salário mínimo, a 1º de maio de 1954. Com isso, conquistou o apoio da classe trabalhadora.

A política estatizante, de cunho nacionalista, acionada por Vargas desencadeou a franca oposição de muitos empresários ligados às empresas estrangeiras. A estes aliaram-se antigetulistas tradicionais, como os membros da UDN e alguns oficiais das Forças Armadas. As mais duras críticas ao governo partiam do jornalista udenista Carlos Lacerda, que acusava Vargas de estar tramando um golpe que estabeleceria uma República sindicalista, o que, na opinião de Lacerda, propiciaria a infiltração comunista.

Em 5 de agosto de 1954, na rua Toneleros, no Rio de Janeiro, Carlos Lacerda sofreu um atentado, no qual morreu o major da Aeronáutica Rubens Vazo Descobriu-se, posteriormente, que amigos do presidente estavam envolvidos no caso, dando à oposição elementos para exigir sua renúncia.

Consciente de sua deposição em breve, Vargas surpreendeu seus inimigos e a nação, suicidando-se, em 24 de agosto de 1954. Com a notícia de sua morte e a publicação de sua carta-testamento, organizaram-se manifestações populares por todo o país. Jornais antigetulistas foram invadidos, bem como as sedes da UDN e a embaixada dos Estados Unidos no Rio de Janeiro.

A multidão revoltada apedreja empresas antigetulistas e expressa sua tristeza com a morte do líder Getúlio Vargas.

Com a morte de Getúlio, o vice-presidente Café Filho assumiu o poder. No ano seguinte, realizaram-se eleições para a presidência, vencendo o candidato da coligação PSD-PTB, Juscelino Kubitschek de Oliveira. O vice-presidente eleito foi o afilhado político de Getúlio, João Goulart, conhecido como Jango. Antes da posse de Juscelino houve um golpe fracassado, buscando instalar uma ditadura. Justificando problemas de saúde, Café Filho afastou-se da presidência, sendo o cargo ocupado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Carlos Luz, um adversário de Juscelino. Durante este governo, udenistas e alguns militares articularam um golpe contra a posse de Juscelino.

Foi o ministro da Guerra, o legalista general Lott, que derrubou o governo golpista de Carlos Luz. Este e vários seguidores, entre eles Lacerda, fugiram no cruzador Tamandaré, pensando alcançar Santos e organizar a resistência em São Paulo. Entretanto, a quase totalidade das Forças Armadas acompanhou Lott, e os golpistas acabaram presos.

Enquanto isso, o Congresso Nacional declarou o impedimento ao cargo presidencial de Carlos Luz e também de Café Filho. Assumiu o governo o presidente do Senado, Nereu Ramos, garantindo a posse dos eleitos.


IV. O desenvolvimentismo de Juscelino KuBitschek (1956-1961)

O período de governo de Juscelino Kubitschek foi marcado pelo desenvolvimentismo. Ancorado num Plano de Metas que priorizava os setores energético, industrial, educacional, de transporte e alimentação, o governo pretendia avançar “50 anos em 5”. Visando colocar o Brasil nos trilhos do progresso econômico, o governo favoreceu a penetração de capitais estrangeiros e de empresas transnacionais. O modelo de desenvolvimento fundado na substituição das importações deixava o caráter nacionalista do período getulista e aderia ao capitalismo internacional, muito mais poderoso e dinâmico.

Dentre suas inúmeras realizações destacam-se: a instalação de fábricas de caminhões, tratores, automóveis, produtos farmacêuticos, cigarros; a construção das usinas hidrelétricas de Furnas e Três Marias; a pavimentação de milhares de quilômetros de estradas, etc. Porém, sua maior obra foi a construção de Brasília, a nova capital do país.

Planejada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e pelo urbanista Lúcio Costa, Brasília, a nova sede de governo, foi inaugurada em 21 de abril de 1960.

A abertura da economia ao capital estrangeiro, a instalação de inúmeras transnacionais, o envio dos lucros dessas empresas ao exterior e os vários empréstimos contraídos junto a instituições estrangeiras deixaram o país numa séria crise financeira. No final do governo de Juscelino, os principais ramos das indústrias já eram controlados pelo capital estrangeiro, ao mesmo tempo que a inflação crescia rapidamente, chegando, em 1960, ao índice de 25%.

Enquanto cresciam as dificuldades populares advindas da inflação, firmava-se outro resultado da aplicação da política desenvolvimentista de Juscelino: o aumento da dependência econômica do país em relação aos Estados Unidos.

Nas eleições de 1960, a coligação PSD-PTB indicou o nome do marechal Henrique Teixeira Lott à presidência e o de João Goulart à vice-presidência. Na oposição, a UDN e outros partidos menores apoiaram a candidatura do ex-governador de São Paulo, Jânio Quadros, à presidência. Durante sua campanha, este candidato pregava uma “limpeza” na vida política nacional, através do combate à corrupção, usando como símbolo uma vassoura. O resultado do pleito determinou a vitória de Jânio Quadros e de João Goulart, a dupla Jan-Jan.


V. O fim da República democrática

5.1 - O governo de Jânio Quadros (1961)

Ao assumir a presidência da República, em janeiro de 1961, Jânio Quadros encontrou uma difícil situação financeira. A inflação era crescente, o que obrigou o governo a cortar gastos, eliminar subsídios à produção de diversos gêneros, como o trigo, encarecendo-os, ao mesmo tempo que os salários eram congelados, perdendo poder de compra e descontentando a opinião pública.

Na política externa, Jânio buscou uma relativa autonomia, reatando relações diplomáticas com os países socialistas a fim de ampliar mercados e impulsionar a economia nacional. Visando demonstrar o não-alinhamento automático do Brasil com o bloco dominado pelos Estados Unidos, o presidente condecorou com a Ordem do Cruzeiro do Sul o ministro cubano Ernesto Chê Guevara quando de sua visita ao Brasil.

Às dificuldades advindas da situação econômica que Jânio enfrentava, somou-se a oposição de seu partido de apoio, contrário à política externa independente, considerada esquerdizante por alguns udenistas. Diante do acirramento das oposições e surpreendendo todo o país, Jânio Quadros renunciou ao cargo de presidente, em agosto de 1961, após 7 meses de governo.

A renúncia foi uma manobra política fracassada de Jânio Quadros, uma trama para reforçar seu próprio poder. O golpe fundava-se no temor de setores da sociedade e de parte da opinião pública diante de um governo dirigido por João Goulart. O vice-presidente, que assumiria com a renúncia de Jânio, era considerado por setores militares e muitos políticos influentes como getulista radical e até mesmo comunista. Isso levaria o Congresso Nacional a rejeitar o pedido de renúncia de Jânio Quadros, o qual exigiria plenos poderes para continuar na presidência.

Entretanto, o pedido de renúncia foi aceito imediatamente pelo Congresso e nenhum grupo movimentou-se para convencer Jânio a voltar à presidência.

5.2 - O governo de João Goulart (1961-1964)

Quando Jânio Quadros renunciou, seu sucessor achava-se em visita oficial à China comunista. Alguns ministros militares e políticos da UDN tentaram impedir que se cumprisse a Constituição, alegando que um comunista não poderia assumir a presidência do Brasil.

Entretanto, o então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, aliado ao comandante do III Exército, lançou a “Campanha da Legalidade”, via emissoras de rádio, conquistando o apoio de boa parte da população brasileira.

O temor de que a disputa pela sucessão presidencial se convertesse numa guerra civil contribuiu para que fosse estabelecido um acordo entre as partes antagonistas: João Goulart assumiria a presidência, porém somente após a aprovação, pelo Congresso Nacional, de um Ato Adicional à Constituição de 1946 que instaurasse o regime parlamentarista no país.

Definiu-se também que a continuidade do parlamentarismo dependeria de um plebiscito a ser realizado mais tarde, ratificando ou não aquele Ato Adicional. Assim, mais uma vez na história do Brasil, o exercício do Poder Executivo passaria a ser atribuição de um primeiro-ministro, o qual, para efetivar suas decisões, deveria contar com a aprovação do Congresso.

Assim, a 02 de setembro de 1961 foi aprovado o Ato Adicional e no dia 7 do mesmo mês João Goulart assumia a presidência da República, com poderes restritos.

O regime parlamentar, imposto em meio a um clima de golpismo, provocou intenso descontentamento e ganhou grande impopularidade. O presidente, democraticamente eleito, funcionava, a partir de então, como mero ornamento político, pois quem efetivamente detinha o poder eram os gabinetes parlamentares, chefiados por um primeiro-ministro, que, no período compreendido entre 1961 e 1963, foram os seguintes: Tancredo Neves, do PSD; Brochado da Rocha, do mesmo partido, e Hermes Lima, do Partido Socialista Brasileiro (PSB).

O plebiscito que ratificaria o parlamentarismo foi marcado para o ano de 1965. Porém as pressões populares avolumaram-se e o Congresso teve de antecipá-lo para 6 de janeiro de 1963. Após intensa campanha política, a maioria do eleitorado decidiu pela restauração do regime presidencialista.

Enquanto o presidencialismo era restabelecido, a situação econômico-financeira do país deteriorava-se rapidamente. A inflação, que no ano de 1962 fora de 52 %, atingiu o índice de 80% em 1963, afetando gravemente o poder aquisitivo da classe trabalhadora.

Para conter a crise, o presidente e seu ministro do Planejamento, Celso Furtado, lançaram o Plano Trienal, que, entretanto, não surtiu os efeitos desejados. As pressões salariais cresciam velozmente, levando Jango a decidir-se pelas reformas de base: reforma agrária, administrativa, fiscal e bancária, programas que prejudicavam os interesses de grupos conservadores dominantes.

Foi, todavia, o projeto de reforma agrária, que propunha desapropriar as terras dos latifúndios improdutivos mediante indenização, o que principalmente assustou a camada mais favorecida da população. Tal medida visava, fundamentalmente, oferecer melhores condições de vida a milhões de trabalhadores rurais. Ao propiciar a ampliação do mercado consumidor, garantiria um estímulo ao desenvolvimento industrial.

O governo Jango estabeleceu, ainda, medidas que visavam conter a remessa de lucros das empresas estrangeiras para o exterior. Com isso, João Goulart angariou também a oposição dos Estados Unidos e dos grupos ligados ao capital internacional. Para evitar que a inflação assumisse proporções incontroláveis, a presidência determinou a criação da Superintendência Nacional do Abastecimento (SUNAB), encarregada de estabelecer o controle de preços internos, o que atraiu o descontentamento do empresariado.

Com tantas oposições dos setores mais favorecidos da sociedade, João Goulart, num estilo getulista (populista), aproximou-se dos movimentos populares, estimulando diversas manifestações, atemorizando ainda mais os seus antagonistas. As medidas do governo Jango buscavam responder aos freqüentes movimentos sociais de operários, partidos de esquerda, estudantes organizados na UNE (União Nacional dos Estudantes) e setores mais pobres da população rural. Neste último caso, destacou-se a ação das Ligas Camponesas em vários estados, especialmente no Nordeste, sob a liderança de Francisco Julião, organizando os camponeses para lutar pela reforma agrária e por garantias aos pequenos proprietários e trabalhadores rurais.

Num comício realizado a 13 de março de 1964, no Rio de Janeiro, Jango prometeu aos trabalhadores o aprofundamento das reformas iniciadas em seu governo. Em resposta ao presidente, os conservadores organizaram, no dia 19 do mesmo mês, uma grande passeata pelas ruas de São Paulo, a chamada “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, a qual contou com a presença da Igreja e do empresariado.


VI. O golpe militar de 1964

As manifestações e movimentos intensificavam-se até que, a 31 de março de 1964, os generais Luís Carlos Guedes e Olímpio Mourão Filho, de Minas Gerais, rebelaram-se contra o governo. Sua atitude foi acompanhada pelo chefe do Estado-Maior do Exército, marechal Castelo Branco, e por vários governadores, como Magalhães Pinto, de Minas Gerais, Carlos Lacerda, da Guanabara, e Ademar de Barros, de São Paulo.

A deposição de João Goulart, em 31 de março de 1964, marca o fim da República Populista iniciada em 1946 e o início do período mais tenebroso da nossa história: a Ditadura Militar, que vai se estender até 1985, com a eleição de Tancredo Neves para a presidência da República. O golpe militar marca, também, a ascensão ao poder dos grupos ligados ao capital internacional e a submissão total do Brasil à vontade do governo norte-americano. Os simpatizantes das doutrinas socialista e comunista foram duramente reprimidos, torturados e eliminados do convívio social ou pela prisão, pelo exílio ou pelo assassinato por órgãos ligados à estrutura do Estado.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Texto – A queda do Estado Novo

A QUEDA DO ESTADO NOVO

I. Reflexos políticos da Segunda Guerra
A partir de 1942, quando a posição do Brasil se definiu claramente a favor das potencias liberais, o engajamento no grande conflito não pôde deixar de repercutir na conjuntura política interna. Como resolver a contradição de um Estado inspirado no fascismo italiano que se empenhara na luta antifascista, em defesa dos ideais antiautorirários?

II. A crise interna
É claro que as repercussões da Segunda Guerra, por si sós, não explicam a transformação política no Brasil. Na verdade, elas se entrelaçam à crise política interna, formando uma complexa rede de contradições que resultou na criação de conjunturas favoráveis ao desmantelamento do Estado Novo.

Em 1943, esgotou-se o limite que o Estado Novo impusera para a legitimação, por meio de um plebiscito, da Constituição outorgada em 1937. Nessa conjuntura surgiu o Manifesto dos Mineiros (outubro de 1943), assinado por Virgilio de Melo Franco, Afonso Arinos, Milton Campos, Magalhães Pinto, Adauto Lucio Cardoso, Odilon Braga, Pedro Aleixo e Bilac Pinto, futuros lideres da União Democrática Nacional (UDN). O citado documento, reconhecendo "que o Brasil esta em fase de progresso material e tem sabido mobilizar muitas das suas riquezas naturais, aproveitando inteligentemente as realizações do passado e as eventualidades favoráveis do presente", criticava a "ilusória tranqüilidade e a paz superficial que se obtém pelo banimento das atividades cívicas que podem parecer propicias aos negócios e ao comércio, ao ganho e à própria prosperidade, mas nunca benéficas ao revigoramento dos povos". Em síntese, o Manifesto exigia a participação política dos agentes do progresso econômico, isto e, um desenvolvimento político correspondente e compatível com a prosperidade material.

III. A vitória dos aliados.
A crise interna acompanhou o progressivo avanço dos Aliados na Segunda Guerra. E, aliás, a coincidência desse avanço com as etapas de redemocratização no Brasil não é simples fruto do acaso.

O próprio Vargas, sentindo o comprometimento de seu poder, assumiu, ambiguamente, uma posição mais flexível. No seu discurso de novembro de 1943 declarou: "Quando terminar a guerra, em ambiente próprio de paz e ordem, com as garantias máximas à liberdade de opinião, reajustaremos a estrutura política da nação, faremos de forma ampla e segura as necessárias consultas ao povo brasileiro".

Apesar dessa declaração, as forcas de oposição que estavam emergindo não acolheram com entusiasmo a promessa de Vargas. Em 1945, quando a guerra acabou, essas forcas se manifestaram, levando o Estado Novo à inelutável desagregação.

IV - As agitações
As agitações pela redemocratização iniciaram-se com o I Congresso Brasileiro de Escritores, em janeiro de 1945, que se manifestou favoravelmente ao restabelecimento da democracia. As declarações de Jose Américo de Almeida, no Jornal "Correio da Manha", tiveram um grande impacto. O historiador Francisco Weffort assim vê o momento: "Da parte do governo ha o ato adicional prometendo a realização das eleições para o dia 2 de dezembro. Quase ao mesmo tempo rompe-se o dique da censura à imprensa. Logo depois, aparece a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, articulada pela oposição liberal, que, por sua vez, passa a constituir-se em partido: União Democrática Nacional (UDN). E em marco surge a candidatura do general Eurico Gaspar Dutra, que fora ministro da guerra durante o Estado Novo. À sua volta articularam-se as forcas governistas, que logo dariam origem ao Partido Social Democrático (PSD); a segunda agrupação governista deveria surgir depois e para aderir igualmente à candidatura de Dutra".

A descompressão da vida política promoveu a formação de agremiações partidárias que exprimiam os anseios ate então represados. Para o historiador Lourdes Sola, o "Partido Social Democrático, que tinha Dutra por candidato, era integrado pelas oligarquias rurais, por industriais e banqueiros habituados a negociações com o governo central". Todavia, esse partido não possuía unidade ideológica, embora, controlasse uma poderosa maquina eleitoral.

Sobre os outros partidos que surgiram com a abertura democrática no final do Estado Novo (PTB, UDN, PCB, PSB) veja o texto: "A Era Vargas (1930-1945)".

V - A Anistia
Diante das pressões crescentes da opinião publica, Getúlio decretou anistia aos presos políticos, inclusive ao líder comunista Luis Carlos Prestes, que estava preso desde 1936, com o fracasso da Intentona Comunista de 1935. Depois de nove anos na prisão do Estado Novo, Prestes voltou a atuar, organizando no dia 23 de maio de 1945 uma gigantesca manifestação popular no Rio de Janeiro. Curiosamente, nessa manifestação, o Partido Comunista do Brasil (PCB), legalizado desde maio, expressou seu apoio ao governo de Getúlio. Apesar de estranha, tal atitude do PCB estava de acordo com sua linha política, baseada no antiimperialismo e na aliança com as forças progressistas nacionais. Alem disso, o apoio a Getúlio expressava também a presença da diretriz, fixada pela União Soviética, de formação de uma frente popular nos países que lutaram contra o Eixo.

VI - O Queremismo
No segundo semestre de 1945, a tônica das movimentações políticas mudou a ênfase. Ate o primeiro semestre do mesmo ano, a campanha eleitoral absorvera as energias políticas. A partir do semestre seguinte, a tônica recaiu sobre a questão da Constituinte, que deveria reunir-se somente depois da eleição presidencial, marcada para 2 de dezembro daquele ano. Foi quando se expandiu a pregação do "queremismo" ("Queremos Getúlio"), orientada pelos trabalhistas e apoiada pelos comunistas. Vargas, discretamente, alimentou esses movimentos populares urbanos, propondo a "Lei Malaia" (junho de 1945), como ficou conhecida a lei antitruste, que tinha um caráter nitidamente nacionalista e antiimperialista.

VII - A queda de Vargas
O
q
ueremismo representou, portanto, o respaldo - ainda que indefinido - do que Getúlio necessitava para continuar no poder. E isso despertou na UDN uma desconfiança extrema a qualquer ação de Getúlio. A situação se tornou mais clara a partir de agosto de 1945, quando a manobra continuista se evidenciou com a evolução do Queremismo para o grito de "Constituinte com Getúlio". Isso veio inquietar a oposição udenista, pois a Constituinte antes das eleições presidenciais significaria a preservação do poder nas mãos de Vargas pelo menos até o momento em que estivesse estabelecida uma nova ordem institucional, assegurando-se a possibilidade de uma influencia decisiva sobre a sua elaboração. No início do mês de outubro, o Partido Comunista estava inteiramente disposto a apoiar Vargas. Mas é precisamente nesse momento, em que as forças getulistas e seus aliados estão no máximo de sua capacidade de ação, que se desencadeia o Golpe de Estado". Um grande comício pro-getulista, marcado para o dia 27, foi proibido pelo chefe de polícia do Distrito Federal. Getúlio reagiu substituindo-o pelo seu irmão, Benjamim Vargas. Contudo, a derradeira manobra encontrou forte resistência em Góes Monteiro. Dois dias depois, em 29 de outubro de 1945, Getúlio foi obrigado a abandonar o poder, transmitindo-o ao Judiciário. Terminou, ai, o Estado Novo.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Oitava Séries - Textos complementares sobre o Estado Novo

TEXTO 1

INSTRUMENTOS E MECANISMOS DE CONTROLE SOCIAL DO ESTADO NOVO.
Para manter o controle social e eliminar a oposição ao seu projeto político autoritário, o governo ditatorial de Getúlio Vargas utilizou diversos mecanismos e instrumentos de manipulação e coerção.

O processo de eliminação da oposição, que começou em 1935, ampliou-se em 1937, quando políticos liberais, integralistas e simpatizantes do comunismo foram presos ou expulsos do país.

A polícia do Distrito Federal, transformada em "polícia política", sob a chefia do ex-tenente Filinto Müller (declarado simpatizante de Hitler), intensificava a repressão e torturava os presos políticos, sobretudo aqueles sob suspeita de serem comunistas.

Além disso, Vargas passou a usar maneiras mais sutis para silenciar as vozes discordantes e manipular a opinião pública: em dezembro de 1939, criou o DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda - órgão encarregado de censurar as informações, divulgar as realizações de governo e construir uma imagem positiva de Getúlio Vargas.

Na área educacional, o controle estatal era muito forte. As virtudes da disciplina e da obediência eram extremamente valorizadas e os livros didáticos, principalmente os de História e de Moral e Cívica eram, muitas vezes, cartilhas oficiais que exaltavam o patriotismo e o culto aos heróis da pátria. A principal orientação da política educacional era formar indivíduos obedientes, servis à pátria e empenhados em fazer do Brasil uma grande nação. Em vista do grande desenvolvimento industrial nesse período, a educação pública deu muita ênfase ao ensino técnico, estabelecendo, inclusive, vários acordos educacionais com os EUA.

Getúlio foi considerado pelos estudiosos como um mestre da comunicação social, devido à sua facilidade em discursar e empolgar as massas. Por meio do rádio, na Hora do Brasil ou nas grandes manifestações e comícios, fazia discursos inflamados que o aproximavam das pessoas simples do povo, reforçando a identificação entre os subalternos e o líder. Seu grande trunfo político para conquistar a população foi o trabalhismo.

A regulamentação dos direitos trabalhistas foi habilmente utilizada por Vargas para conquistar os trabalhadores, tornando-se sua principal base política. Em todos os discursos, Vargas começava sua fala com a célebre frase: "Trabalhadores do meu Brasil ...", e o dia primeiro de maio foi transformado em data magna do regime.



TEXTO 2

A POLÍTICA TRABALHISTA DO GOVERNO VARGAS
O governo Vargas se caracterizou fundamentalmente pela implantação no Brasil das estruturas corporativas. Os intelectuais, que assessoravam Vargas na montagem do seu novo governo, defendiam que o Estado teria como principal atribuição o desenvolvimento econômico do país e, para isso, deveria impedir os conflitos entre trabalhadores e patrões, contendo tanto a ganância dos empresários quanto o radicalismo das massas.

No corporativismo, trabalhadores e patrões se ligam ao Estado, que passa a promover a "colaboração" entre eles. Para promover essa colaboração, o Estado precisa controlar tanto os sindicatos de trabalhadores quanto a exploração exercida pelos patrões. Como, no Brasil, a ligação dos empregados e empregadores ao Estado não foi voluntária (foi imposta pela força de decretos-lei), o corporativismo foi chamado de "corporativismo de Estado" ou "corporativismo autoritário".

Assim, a estrutura sindical corporativista, implantada por Vargas no Brasil, a partir de 1931, tinha objetivos muito claros.:

1o. - transformar o sindicato em agência de colaboração do Estado;

2o. - disciplinar o trabalho;

3o. - evitar a emergência da luta de classes, utilizando o sindicato como freio para os conflitos entre o capital e o trabalho.

Para tanto, Vargas determinou a unicidade sindical, ou seja, cada categoria profissional só poderia ter um sindicato, que só poderia ser constituído de acordo com a Lei e reconhecido somente depois da aprovação de seus estatutos pelo Ministério do Trabalho (criado em 26 de novembro de 1930).

Desta forma, o governo criou mecanismos para afastar os líderes combativos dos sindicatos, que foram sendo ocupados por dirigentes "pelegos" (Nesse caso, colaboradores do governo). Segundo alguns historiadores, a extinção dos sindicatos independentes e a repressão de suas lideranças desmobilizaram a classe trabalhadora brasileira e, por isso, ela acabou aceitando a interferência do Estado nas suas organizações.

Para diminuir a exploração exercida pelos patrões sobre os trabalhadores brasileiros, o governo editou uma série de decretos trabalhistas, regulamentando a jornada de trabalho de 8 horas, o trabalho de criança e da mulher e a lei de férias. Além disso, foram criadas Comissões de Conciliação e Julgamento para julgar os conflitos entre patrões e trabalhadores.

É importante saber que as leis trabalhistas não foram uma concessão do Estado aos trabalhadores; desde a República Velha, eles já lutavam para que o Estado resolvesse a questão social no Brasil. Assim, estas leis foram uma conquista da classe trabalhadora, apesar de parecer, num primeiro momento, que foram concessões do Estado.

Os patrões não aceitaram facilmente as leis trabalhistas. Durante muito tempo, recusavam-se a adotar a jornada de oito horas diárias, a obedecer à regulamentação legal do trabalho das crianças e das mulheres e à lei de ferias. O empresariado criticava violentamente o Estado pela introdução das leis trabalhistas, que segundo eles, eram incompatíveis com a realidade nacional.


TEXTO 3

O REFORÇO DO CORPORATIVISMO.
A partir de 1937, a ditadura varguista criou novos instrumentos para controlar a classe operária e consolidar sua imagem de "protetora dos desamparados". Na Constituição outorgada de 1937, a greve e o lockout foram proibidos, e a Lei Sindical de 1939 submeteu os sindicatos, definitivamente, à tutela do Estado. Foi criado o imposto sindical, que obrigava todos os trabalhadores a contribuírem com um dia de salário anual em beneficio do sindicato de sua categoria profissional. O imposto era recolhido pelo Ministério do Trabalho, que se encarregava de repassá-lo aos sindicatos (60% do valor), às Federações (15% do valor), às confederações (5% do valor) e ao Fundo Social Sindical (20% do valor). Esse Fundo era utilizado pelo governo para o financiamento de ministérios e campanhas eleitorais. O aspecto mais negativo desse imposto foi criar uma dependência financeira das organizações sindicais com o Estado. Esses sindicatos, controlados pelo Ministério do Trabalho, foram denominados "pelegos" ou "sindicato amarelo", pois seus dirigentes eram pessoas ligadas ao governo e às entidades dos patrões.

A Lei Sindical de 1939 determinou, ainda, funções específicas para os sindicatos como a criação de cooperativas de credito e de consumo, criação de escolas, assistência medica etc., tentando esvaziar o conteúdo político dessas organizações.

Como já vimos, a legislação trabalhistas funcionava como principal instrumento de legitimação da ditadura, e no dia primeiro de maio - Dia do Trabalho - sempre aconteciam comícios e paradas comemorativos. Na ocasião festiva, Vargas fazia discursos altamente emocionais sobre o papel dos trabalhadores na vida do país, aproveitando para anunciar novas leis e benefícios que seu governo conced3era aos trabalhadores.

Assim, no dia primeiro de maio de 1940, Getúlio anunciou a criação do salário-mínimo, que o governo fixara em valor correspondente aos gastos mínimos de um trabalhador com alimentação, vestuário, moradia, higiene e transportes. Educação e saúde não eram incluídas nesse cálculo.

Como o custo de vida se elevava em ritmo superior ao dos reajustes salariais, o salário real sempre diminuía, e o governo, fixando os índices de reajustes impedia a elevação do custo da mão-de-obra. Assim, apesar de afirmar o contrario em seus discursos, a lei de Getúlio beneficiava, na verdade, os empresários aumentando seus lucros em prejuízo dos empregados.

Em 1943, toda a legislação trabalhista foi sistematizada e ordenada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Promulgada em primeiro de maio, a CLT era uma síntese da política trabalhista de Vargas, incluindo a legislação social (direitos e deveres do empregado e empregadores) e a regulamentação da organização sindical corporativista e da Justiça do Trabalho (instituição destinada a medir e arbitrar todas as negociações e conflitos entre empregados e empregadores).

As leis sociais e trabalhistas de Getúlio não foram estendidas ao campo, onde os trabalhadores não tinham garantias ou direitos, pois a oligarquia tradicional, que apoiava o governo, não admitia mudanças nas relações de trabalho no campo.

A CLT acabou por ampliar a popularidade de Getúlio Vargas, que sempre foi muito querido por grande parte dos trabalhadores. Contudo, a valorização do trabalho e do trabalhador, sob o signo do corporativismo, resultou em uma "cidadania regulada" (direitos dos cidadãos controlados pelo Estado através de mecanismos de manipulação e coerção) que condicionou os direitos sociais à subordinação do Estado.

sábado, 6 de setembro de 2008

A ERA VARGAS

A ERA VARGAS (1930-1945)

A Revolução de 1930 pôs fim à dominação tradicional da oligarquia cafeeira e instalou no poder uma coalizão de forças que aglutinava diferentes setores da sociedade brasileira. A Junta Pacificadora, que derrubara Washington Luís, entregou o poder, em caráter provisório, a Getúlio Dornelles Vargas, que, entretanto, permaneceu no poder até 1945.

Durante a Era Vargas, o presidente apresentou-se como principal autoridade política nacional, controlando todas as decisões políticas, econômicas e sociais. As forças políticas vitoriosas em 1930 autorizaram o presidente a assumir esse papel centralizador, e ele, habilmente, soube atrair para si o apoio de diversos grupos sociais. Os tenentes, imbuídos de espírito modernizador, foram, em sua maioria, incorporados ao governo. Os defensores de reformas mais profundas no interior da sociedade brasileira, entretanto, foram presos e silenciados.

Também a burguesia industrial e a classe média urbana, interessadas nos projetos desenvolvimentistas de Vargas, deram seu apoio ao novo governo. O mesmo fizeram as chamadas oligarquias dissidentes, vislumbrando uma possibilidade de maior participação nas decisões governamentais, especialmente as de caráter econômico.

Finalmente, Vargas pôde contar com o apoio do operariado, beneficiado pela reforma trabalhista, graças à qual Vargas forjou uma imagem positiva junto às massas, sendo chamado de "pai dos pobres". Conseguiu isso apesar de ter anulado qualquer atuação reivindicatória autônoma dos trabalhadores. Ele soube substituir as possíveis mudanças revolucionárias de um movimento trabalhista independente e verdadeiramente transformador por concessões paternalistas e tuteladoras. Mesmo a oligarquia cafeeira acabou se unindo a Vargas, devido ao sucesso de sua política econômica, inspirada na política de valorização do café, que visava aliviar a crise do setor, garantindo preços do produto através da compra e queima dos estoques: nos primeiros anos de seu governo mais de 10 milhões de sacas foram queimadas. Assim, se de um lado a Revolução de 1930 encerrou o controle político por parte da oligarquia cafeeira, por outro lado, continuou a garantir a força econômica das elites e manteve os grupos trabalhadores afastados da direção governamental, a despeito de ter ampliado suas relações com o Estado.

A Era Vargas (1930-1945) divide-se em três períodos: o Governo Provisório (1930-1934), o Governo Constitucional (1934-1937) e o Estado Novo (1937-1945).

o Governo Provisório (1930-1934)

Ao assumir o poder em 1930, Getúlio Vargas suspendeu a Constituição em vigor, fechou o Congresso Nacional, as assembléias estaduais e municipais e nomeou pessoas de sua confiança para o governo dos estados, os chamados interventores, em geral tenentes. Pretendia, assim, estabelecer um controle total sobre o aparelho do Estado.

Criou ainda dois novos ministérios: o da Educação e Saúde Pública e o do Trabalho, Indústria e Comércio. Estabeleceu direitos trabalhistas, como a limitação da jornada diária de trabalho a 8 horas, férias anuais remuneradas de 15 dias, regulamentação do trabalho de mulheres e crianças, etc. O trabalhismo foi uma das principais marcas de seu governo.

Patrocinou uma política econômica que diminuísse os efeitos da crise mundial de 1929 sobre o setor agrícola de exportação. O Estado passou a comprar o estoque excedente de café e a destrui-Io (queimava, jogava nos rios, etc.), buscando controlar a oferta e garantir o preço do produto no mercado internacional. Entre 1930 e 1937 foram destruídas quase 80 milhões de sacas. Além disso, criou órgãos de proteção a outros gêneros agrícolas, como cacau, pinho, mate, álcool e outros.

A crise internacional de 1929, porém, na medida em que dificultava as importações, favorecia o desenvolvimento industrial, pois se fazia necessário produzir internamente o que era difícil de se adquirir no exterior. Tratava-se da industrialização com base na substituição das importações, modernizando e transformando o caráter da economia nacional.

A Revolução Constitucionalista de 1932

Perdendo o controle absoluto do poder político que desfrutara durante a República Velha, a oligarquia cafeeira, contudo, buscava meios para recuperar a antiga posição. Concentrados em sua maioria no estado de São Paulo, os cafeicultores chegaram a contar com o apoio da burguesia industrial paulista, reunida em torno do ideal da elaboração de uma nova Constituição, já que a anterior havia sido suspensa. Fora esse grupo que fundara, em 1926, o Partido Democrático.

As tensões entre paulistas e governo federal aumentaram quando da nomeação de João Alberto Lins de Barros, tenente pernambucano, para o cargo de interventor no estado. Em 1932, da união entre o Partido Republicano Paulista (representante da oligarquia cafeeira) e o Partido Democrático, surgiu a Frente Única Paulista (FUP).

Exercendo séria pressão sobre o governo, a FUP conseguiu a nomeação de um novo interventor, civil e paulista, Pedro de Toledo. A partir daí, intensificaram-se as manifestações em favor da elaboração de uma nova Carta constitucional. Em uma das manifestações morreram quatro estudantes: Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo, cujas iniciais formaram a sigla MMDC, símbolo da luta dos paulistas pela Constituição.

A 9 de julho de 1932, iniciou-se um movimento armado que visava depor o presidente Vargas. Mais de 200 mil homens alistaram-se no "Exército constitucionalista" e algumas indústrias foram adaptadas para a produção de equipamento de guerra. A revolução estendeu-se por 3 meses e terminou com a derrota das forças paulistas.

Apesar da vitória sobre os revolucionários, Vargas adotou uma atitude conciliatória, convocando eleições para a escolha dos deputados que comporiam a Assembléia Constituinte para maio de 1933. Assim, a Revolução Constitucionalista, mesmo derrotada militarmente, atingiu seu objetivo: a elaboração de uma nova Constituição para o país.

A Constituição de 1934

Eleita a Assembléia Constituinte, os deputados iniciaram seus trabalhos em novembro de 1933, promulgando a nova Constituição em julho de 1934.

Eram suas principais características:

manutenção do regime federativo, presidencialista e dos três poderes do governo (Executivo, Legislativo e Judiciário);

extinção do cargo de vice-presidente;

voto secreto e eleições diretas para os poderes Executivo e Legislativo da União, estados e municípios;

voto feminino;

confirmação da legislação trabalhista (previdência social, 8 horas de trabalho diário, férias anuais remuneradas, etc.);

criação do mandado de segurança para defender o cidadão contra abusos do Estado;

ensino primário obrigatório e gratuito.

Terminada sua tarefa, a Assembléia Constituinte transformou-se na primeira Assembléia Legislativa após a Revolução de 1930, tendo o direito de eleger o presidente da República. Getúlio Vargas foi o escolhido e reassumiu o poder com mandato de 4 anos.

O Governo Constitucional de Vargas (1934-1937)

Vargas, no entanto, não abandonara suas pretensões centralizadoras. Alinhado com as tendências políticas emergentes na Europa, o presidente também tendia ao radicalismo, a exemplo de Mussolini, na Itália, e Hitler, na Alemanha. Tais regimes políticos, de caráter ditatorial e militarista, receberam o nome de nazifascismo.

A Ação Integralista Brasileira, partido de inspiração fascista, apoiado por grandes proprietários, empresários, elementos da classe média e oficiais das Forças Armadas, surgiu em meio a esse contexto. Seus defensores pregavam a criação, no Brasil, de um Estado integral, isto é, de uma ditadura nacionalista com um único partido no poder. Seu líder, Plínio Salgado, tinha por lema "Deus, Pátria e Família" e representava os radicais defensores da propriedade privada, pregando a luta contra o avanço comunista.

Os integralistas tinham uma organização militar nos moldes dos fascistas europeus. Vestiam uniformes com camisas verdes, daí o apelido "galinhas-verdes". Possuíam como símbolo o sigma e faziam a saudação "Anauê!", com o braço levantado, imitando os nazistas.

Na mesma época e opondo-se frontalmente aos integralistas, constituiu-se uma aliança de esquerda, a Aliança Nacional libertadora (ANL), liderada por Luís Carlos Prestes do Partido Comunista do Brasil (PCB).

Além dos comunistas, a Aliança Nacional Libertadora agregava também socialistas e liberais democratas, em geral membros da classe média, operários e elementos das Forças Armadas. Pregavam a reforma agrária, o estabelecimento de um governo popular-democrático, a nacionalização de empresas estrangeiras e o cancelamento da dívida externa.

A ANL cresceu rapidamente em todo o país, frente ao avanço da economia urbano-industrial e à crescente ameaça ditatorial dos fascistas. Apesar de sua popularidade, em julho de 1935, o governo de Getúlio declarou-a ilegal com base na Lei de Segurança Nacional.

O fechamento das sedes aliancistas e a prisão de alguns de seus membros motivaram um fracassado levante, liderado pelos comunistas, em novembro de 1935. A chamada Intentona Comunista, desencadeada em Natal, Recife e Rio de Janeiro, foi rapidamente sufocada pelo governo federal. Muitos líderes foram presos e, entre eles, o próprio Prestes, o principal líder do PCB.

A Intentona foi, porém, utilizada pelo governo como pretexto para a decretação do estado de sítio, o que garantiu plenos poderes ao presidente no combate às agitações políticas.

O golpe do Estado Novo (1937)

O poder de Getúlio Vargas continuou a ampliar-se. O estado de sítio, renovado constantemente pelo Congresso, manteve-se durante o ano de 1936 e início de 1937.

Como o mandato de Getúlio terminaria em 1937, teve início a campanha eleitoral para a sucessão do presidente, para a qual se apresentaram três candidatos: o ex-governador de São Paulo, Armando de Sales Oliveira, apoiado pelas elites paulistas; o escritor paraibano José Américo de Almeida, aparentemente apoiado pelo presidente; e o líder integralista Plínio Salgado.

Getúlio, todavia, não se mostrava disposto a deixar a presidência e, juntamente com dois chefes militares, generais Eurico Gaspar Dutra e Góis Monteiro, arquitetou um golpe de Estado. A intenção do presidente era conseguir o apoio de setores sociais temerosos com o avanço da esquerda.

Para isso, fez-se circular uma história segundo a qual os comunistas planejavam tomar o poder, assassinar as principais lideranças políticas do país, incendiar as igrejas, desrespeitar lares, etc. O plano, que vinha assinado por um desconhecido chamado Cohen, era, na verdade, uma farsa: o Plano Cohen fora forjado por alguns militares integralistas, desejosos da instalação de um regime ditatorial de direita.

A farsa do Plano Cohen deu a justificativa para um golpe de Estado e a instalação do Estado Novo. Ela foi montada no Ministério da Guerra, destacando-se a atuação do capitão integralista Olímpio Mourão Filho.

A suposta ameaça comunista, no entanto, garantiu mais uma vez a prorrogação do estado de sítio. Muitos opositores foram presos e a imprensa sofreu violenta censura. O êxito do plano de Vargas completou-se em novembro de 1937, quando, usando a Polícia Militar, determinou o fechamento do Congresso Nacional, suspendeu a realização das eleições presidenciais, extinguiu os partidos políticos e outorgou uma nova Constituição. Inaugurava-se, nesse momento, o período ditatorial de seu governo, chamado de Estado Novo.

O Estado Novo de Vargas (1937-1945)

A centralização político-administrativa

A Constituição, outorgada imediatamente após o golpe, havia sido elaborada por Francisco Campos e inspirada na constituição fascista da Polônia, chamada por isso de "Polaca". Nela, o poder político concentrava-se completamente nas mãos do presidente da República, a "autoridade suprema do Estado", eliminando o Legislativo e subordinando o Judiciário ao Executivo.

A ditadura de Vargas apoiava-se, ainda, no controle sobre a imprensa. Para isso criou-se o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), encarregado da censura dos meios de comunicação (rádio, jornais, livros, cinema), além da divulgação de uma imagem positiva do Estado Novo, influenciando a opinião pública. Nesse período começou a ser transmitido por rede de rádio o programa "Hora do Brasil".

Para controlar o aparelho de Estado foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), o qual assumiu o comando sobre a administração e o serviço público. No nível estadual, Vargas impunha os interventores e proibia a utilização de bandeiras, hinos e outros símbolos que não fossem os nacionais.

Contra os opositores do regime, ampliou os poderes das polícias estaduais, especialmente da polícia política, comandada por Filinto Müller. Ocorreram milhares de prisões e maus-tratos, sendo as torturas constantes. A própria eliminação de pessoas não era fato raro. Como em qualquer regime ditatorial, autoritarismo e arbitrariedade andavam juntos, um como continuação do outro.

No plano trabalhista, Vargas estabeleceu um rígido controle sobre os sindicatos, submetendo-os ao Ministério do Trabalho e impondo-lhes lideranças fiéis ao regime - os chamados pelegos - que amorteciam as pressões dos trabalhadores. Manteve ainda a sua política paternalista, concedendo novos benefícios trabalhistas, como o salário mínimo e a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que até hoje regulamenta as relações entre patrões e empregados. Evitando demonstrar que as conquistas dos trabalhadores nada mais eram que seus direitos e se deviam ao mérito de suas lutas, Vargas fazia concessões tuteladoras. Agradar um pouco os trabalhadores sem dar-lhes chances de reivindicar ou discutir eventuais mudanças, essa era a fórmula para refrear qualquer tentativa de participação mais ativa dessa classe na política governamental.

Com a extinção dos partidos políticos, os integralistas romperam com Vargas, tentando um golpe de Estado em 1938, atacando o Palácio do Catete, a sede governamental, no Rio de Janeiro. O presidente, sua filha Alzira Vargas e os guardas legalistas frustraram o golpe integralista, recebendo os invasores de armas em punho, conseguindo aprisionar os golpistas. Era a derrota do putsch (golpe) integralista.

O intervencionisrno estatal na economia

Durante o Estado Novo, a economia brasileira modernizou-se e diversificou-se. Na agricultura, o governo obteve êxito na aplicação da política de valorização do café, com a queima dos excedentes e a fixação de taxas de exportação. Em outros setores da agricultura, o incentivo governamental propiciou o aumento da produção e a diversificação dos cultivos.

A indústria teve um impulso considerável, especialmente a partir de 1940. De um lado, o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) dificultava as importações, incentivando mais uma vez o processo de substituição dos produtos importados por nacionais. Por outro, o intenso apoio governamental estimulava a implantação de novas fábricas, a ampliação das já existentes e a montagem da indústria de base estatal, como a Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda, no Rio de Janeiro.

Visando à obtenção da matéria-prima para a indústria pesada, Vargas criou a Companhia Vale do Rio Doce. Surgiam assim grandes empresas estatais que garantiriam o suprimento de produtos indispensáveis ao desenvolvimento das demais indústrias.

Preocupado ainda com o fornecimento de energia que movimentasse o parque industrial brasileiro, o governo criou o Conselho Nacional do Petróleo. O órgão deveria controlar a exploração e fornecimento desse produto e seus derivados, explorando o primeiro poço petrolífero na Bahia, em 1939.

O Brasil na Segunda Guerra Mundial

Quando teve início a Segunda Guerra Mundial, em 1939, o governo brasileiro adotou uma posição de neutralidade. Não manifestou seu apoio nem aos Aliados (Inglaterra, França, União Soviética e Estados Unidos) nem aos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão).

Essa posição garantiu ao Brasil vantagens comerciais e a obtenção de empréstimos junto aos países beligerantes. Porém, a pressão norte-americana alterou a decisão do governo brasileiro, que, em janeiro de 1942, rompeu relações com os países do Eixo. A declaração de guerra veio em agosto do mesmo ano, quando os alemães afundaram vários navios brasileiros, o que resultou na morte de 607 brasileiros.

A declaração de guerra ao Eixo implicou o envio de dezenas de milhares de soldados para lutar na Europa, em 1944, sob o comando do marechal Mascarenhas de Morais. Além de uma esquadrilha da Força Aérea Brasileira, foram enviados soldados que compunham a Força Expedicionária Brasileira (FEB), as quais integravam o V Exército Americano, comandado pelo general Clark. O Exército brasileiro teve destaque na campanha da Itália, obtendo significativas vitórias em Monte Castelo, Castelnuovo e Montese.

A participação do Brasil na luta contra os regimes ditatoriais europeus criou uma contradição interna, o que acabou por enfraquecer as bases do Estado Novo. O Brasil lutava contra as ditaduras nazifascistas, pela liberdade, enquanto mantinha um regime ditatorial. A oposição à ditadura de Vargas ganhou espaço, sendo realizadas diversas manifestações pela redemocratização no país.

A queda de Vargas

Mesmo antes do envio de tropas brasileiras para a guerra mundial, as pressões pelo fim da ditadura intensificaram-se. Em outubro de 1943, políticos e empresários de Minas Gerais publicaram o "Manifesto dos Mineiros", em que exigiam a redemocratização do país. Pouco depois, Vargas estabeleceu a data para a realização de eleições gerais: 2 de dezembro de 1945.

Até a derrota dos alemães, e conseqüentemente do totalitarismo, em maio de 1945, efetivaram-se diversas conquistas democráticas, como a libertação de presos políticos e o retorno de exilados. Também surgiram novos partidos para a disputa eleitoral, entre os quais se destacavam:

a UDN (União Democrática Nacional), reunindo principalmente industriais, banqueiros, grandes proprietários, elementos da classe média e alguns jornalistas. A UDN lançou a candidatura do ex-tenentista, brigadeiro Eduardo Gomes, à presidência da República;

o PSD (Partido Social Democrático), formado basicamente por industriais, banqueiros e grandes proprietários que apoiavam Getúlio;

o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), que se compunha, fundamentalmente, de setores da classe trabalhadora, liderados por sindicalistas que mantinham seu apoio a Getúlio Vargas. A coligação PTB-PSD lançou a candidatura do ex-ministro general Eurico Gaspar Dutra;

o PCB (Partido Comunista do Brasil), agregando elementos de esquerda, tinha como candidato à presidência Yedo Fiúza.

O fim da Segunda Guerra dividiu o movimento de oposição ao governo: enquanto alguns, especialmente udenistas, desejavam a deposição imediata de Vargas, outros acreditavam que a transição para a democracia deveria ser gradual, tendo Vargas à frente. Esta facção liderou um movimento popular que se chamou "Queremismo", pois, em suas manifestações, gritava-se: "queremos Getúlio".

A 29 de outubro de 1945, porém, as Forças Armadas, lideradas pelos generais Góis Monteiro e Dutra, cercaram o palácio do Catete, a sede do governo, e obrigaram Getúlio a renunciar à presidência. Em seu lugar assumiu o ministro do Supremo Tribunal Eleitoral, José Linhares, que garantiu a realização das eleições na data prevista, as quais foram vencidas por Eurico Gaspar Dutra.

"Olhai para mim, e sereis salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há outro" (Is 45:22a)